For God's Sake! O Saquê na Mitologia Japonesa
Atualizado: 26 de Jul de 2019
O saquê é mesmo uma bebida dos deuses! O fermentado de arroz é amplamente utilizado nas cerimonias do xintoísmo (religião politeísta cujos costumes estão profundamente enraizados na cultura japonesa) ligadas a purificação, casamentos, festivais e tantas outras solenidades.
Por esta razão, Komodarus (grandes barris de 72 litros) de saquê são oferecidos por produtores aos deuses nos diversos templos, formando o Kazaridaru, a parede de barris sempre a vista nestes locais.

Para o Xinto, toda forma de natureza possui um espírito, seja uma árvore, uma pedra ou um fenômeno natural como um raio e um trovão. De maneira que os insumos do saquê, como a água e o arroz também os possuem. Assim, não é raro encontrar a fonte de água dentro das sakaguras, da qual se extrai água para a produção do saquê, cercada por cordas e outras simbologias xintoístas, prestando respeito ao espírito que reside ali.
O kuchikami no sake remonta tempos antigos, mas ainda é uma prática em alguns templos xintoístas, onde o arroz é mastigado e cuspido pelas Mikos (sacerdotisas), de maneira que as enzimas na saliva se encarreguem do que normalmente faria o Koji (quebrar os amidos em açucares fermentáveis) e então é oferecida como uma bebida sagrada aos deuses. Veja a personagem do anime "Kimi no Nawa", fazendo o kuchikami no sake aqui, em nosso post anterior.
O saquê oferecido no altar de um templo aos deuses é chamado de Omiki, e é uma forma muito comum de shinshu, o ritual de oferecer alimentos e bebidas aos deuses e aos antepassados.
Seja como for, é fato que para o Xinto, beber saquê é uma maneira do homem chegar mais perto dos deuses.
Mas a qual divindade recorrer (ou qual culpar) quando a sua garrafa de Dassai Beyond é extraviada junto com sua mala no aeroporto?
Conheça aqui alguns seres mitológicos ligados ao saquê:
Inari (稲荷):

O nome “Inari” vem de “Ine Nari” ou “Ine ni Naru”, que pode ser traduzido do japonês antigo como o milagre do céu e da terra visto na colheita do arroz. É a divindade do arroz, do saquê, da fartura, fertilidade e prosperidade financeira. É retratada como uma raposa (sua mensageira), geralmente carregando um ramo de arroz, ou uma chave para um celeiro. É uma das mais antigas e mais cultuadas divindades, com mais de 30 mil templos por todo o território japonês. O mais antigo (com mais de 1300 anos!) e mais famoso templo está localizado na cidade de Quioto, aos pés do monte de mesmo nome, no distrito de Fushimi, o distrito do saquê. É famoso por seus mais de 10 mil Toris (portais vermelhos) montanha adentro, doados por fiéis (na maioria empresas) buscando prosperidade.

Oferendas de saquê são feitas no templo para agradar as raposas mensageiras de Inari Okami, e trazer as graças desejadas. Textos antigos guardados no templo explicam: “Inari é a divindade que nos alimenta, nos veste, nos abriga e nos protege, para que todos nós possamos viver com abundancia e prazer”. Um kampai a Inari!
Ôyama-Tsumi (大山津見神), também chamado de Sakatoke (酒解神):
De acordo com o Kojiki (e sua sequência, Nihon Shoki), os mais antigos escritos sobre mitologia do Japão (que contam como o arquipélago japonês foi criado e o nascimento das mais antigas divindades), Ôyamatsumi nasceu entre as primeiras divindades humanas, a partir dos primeiros deuses Izanagi e Izanami, e é irmão mais velho de Amaterasu e Susanoo (divindades importantíssimas!). É o Deus das montanhas, do mar e da guerra, e protetor do Monte Fuji. Conta-se que quando da ocasião do nascimento do seu neto Hoori (de sua filha Konohanasakuya-hime, e o deus Ninigi-no-Mikoto), Oyama passou a produzir saquê para os Deuses, e por isso, ele também é uma divindade do saquê (de patente maior, diga-se!). Seu neto Hoori é um deus dos cereais e da colheita.
Tanuki (狸)
O Tanuki é uma espécie de guaxinim que faz parte do folclore japonês. Você certamente já apreciou da sua companhia no balcão de algum Izakaya por aí. É muito comum estes estabelecimentos terem uma estátua do Tanuki para atrair clientes. É retratado como um personagem alegre e travesso, que domina a arte do disfarce e pode assumir muitas formas seja de um humano ou até de um bule, e que usa de seus poderes para pregar peças nos homens (tipo o saci-pererê japonês, rsrs). Barrigudo, carrega consigo sempre uma garrafa de saquê (ou um hyotan ou um tokuri) e uma nota promissória que ele nunca paga. Usa um grande chapéu e passa os dias sentado em cima das suas grandes... partes intimas. É um apreciador da boa comida e dos saquês, e é dito que sua adoração por saquê é tamanha, que se você quiser saber se há um Tanuki lhe pregando peças, é só abrir uma garrafa de saquê, que ele logo levanta o rabo e estraga seu disfarce.

Assim, se o seu Dassai Beyond foi extraviado, com certeza foi obra de um Tanuki travesso.
Kampai!
Por Andréa Machado. Sake Sommelière