Saquê, animes e a microbiologia
Entendendo a microbiologia do saquê com a ajuda dos animes!
Uma pergunta muito recorrente no salão do restaurante é em relação aos ingredientes do saquê.
O saquê é feito de arroz, água, koji e leveduras.
- “Koji quem?”, costuma ser a próxima pergunta.
Para responder, precisamos entender como o arroz se transforma em saquê.
É através da Fermentação Múltipla Paralela, esse baita palavrão, que a mistura do arroz cozido e água se torna uma bebida alcoólica.
Nesse processo, contamos com a ajuda de dois microrganismos muito especiais: a Sacharomyces Cerevisiae e o Aspergllus Oryzae.
Ambos são fungos unicelulares, mas cada um tem um papel muito importante na produção do saquê.

A Saccharomyces Cerevisiae é a levedura responsável pela fermentação alcoólica. Ela consome o açúcar disponível no mosto e libera álcool etílico, gás carbônico e calor. Ela também é responsável pela fermentação alcoólica de vinhos e cervejas, e é muito utilizada na fermentação de pães.
No entanto, o açúcar disponível no arroz está sob a forma de amido, uma cadeia de alto peso molecular que a levedura não é capaz de consumir.
Para isso ela conta com a ajuda do Aspergillus Oryzae, um fungo que através de ação enzimática – chamada de amilase – é capaz de quebrar as longas cadeias de amido em pequenas moléculas chamadas de dextrose e que a Saccharomyces Cerevisiae consegue consumir facilmente.

O Aspergillus Oryzae é um aliado ancestral da gastronomia japonesa, quando inoculado em grãos é conhecido como koji. A palavra koji é abreviação de “Kabi-Tachi”, que quer dizer literalmente “Florescer do mofo”. É muito utilizado também na produção de shoyu, missô, mirim, e também do katsuobushi (flocos de peixe Bonito seco) essencial para o dashi, caldo base da gastronomia japonesa.
Na produção de saquê, a inoculação do koji no arroz cozido é um dos momentos mais críticos. Ela deve ser feita em uma sala com temperatura controlada (cerca de 35° C) chamada de Koji-Muro.
Por ambos microrganismos trabalharem juntos, a fermentação do saquê leva o nome de Fermentação Múltipla Paralela!
Para que o saquê aconteça, o arroz já polido é cozido a vapor. Em seguida é resfriado e transferido para a sala de Koji (Koji-Muro). Ali as hyphas do Aspergillus Oryzae são cuidadosamente polvilhadas por cima do arroz. Em cerca de dois dias em ambiente controlado, o arroz cozido estará inoculado pelo fungo e passa a ser chamado de koji.
Uma vez inoculado o arroz se torna maltado e o açúcar já está disponível em cadeias menores. Esse arroz então será separado em partes para compor o starter (shubo) e o mosto (moromi), acrescidos de água e da levedura Saccharomyces Cerevisiae, que vai se multiplicar, consumir o açúcar, e transforma-lo em álcool, gás carbônico e calor.

O mosto é então filtrado, diluído (warimizu), e então passa pelo processo de pasteurização (Hi-Ire), que através de tratamento térmico destrói estes microrganismos (conferindo estabilidade microbiológica ao saquê), que de outra maneira, continuariam a fermentar a bebida.
A exceção é o saquê conhecido como Nama, que pula a etapa de pasteurização. Este saquê tem como características aromas mais exaltados e frescos, porém é muito difícil de chegar ao Brasil por conta da fragilidade por não ser pasteurizado. Este tipo de saquê exige refrigeração constante para não estragar.
Seja qual for seu estilo favorito, é certo que sem a essencial participação destes dois microrganismos não poderíamos usufruir de uma garrafa de saquê.
E quer forma melhor de aprender sobre esse processo do que assistindo esse divertido anime? Para quem curte animes e saquês, fica então a dica: "Moyashimon: Tales of Agriculture” (農大物語もやしもん), disponível por streaming no Brasil pela Crunchyroll (https://www.crunchyroll.com/pt-br/moyashimon).
Divirta-se! Kampai!
Por Andréa Machado
Saquê Sommelière no restaurante Kinoshita.